A mentora em comunicação Mili Anjos, 40 anos, tornou-se uma figura amplamente conhecida nas redes sociais após a viralização de um vídeo em que se manifesta contrariamente ao Projeto de Lei 1904, conhecido como o ‘PL do aborto’. O projeto, que propõe fixar em 22 semanas de gestação o prazo máximo para abortos legais, suscitou um posicionamento contundente de Mili, que trouxe à tona sua própria história de vida para fundamentar sua opinião.
Mili é fruto de um estupro, e sua mãe descobriu a gravidez apenas na 22ª semana. “Eu resolvi contar minha história não por conta da PL que estava em discussão. Eu entendi que era só uma discussão política, para ver qual partido tinha mais força e principalmente por uma questão religiosa”, afirmou Mili. “Eu escolhi não falar nada sobre o assunto porque eu não acho que seja dessa forma que tem de ser discutido esse tema, que é tão cheio de camadas e tão polêmico para a sociedade.”
O vídeo de Mili não foi apenas um desabafo. Ela criticou duramente a Câmara dos Vereadores de Americana, que, segundo ela, transformou a discussão do projeto em um espetáculo sensacionalista, com manifestações desrespeitosas e apelativas. “Levaram mulheres grávidas que não tinham sido violentadas, crianças com cartazes, coisas que não cabem fazer num tema desses”, disse Mili, explicando que foi esse “circo” que a motivou a gravar o vídeo.
A repercussão foi imediata e gigantesca. “Quando eu gravei o vídeo na rede social, minha mãe viu e ficou preocupada porque ela sabe que sou mais discreta com assuntos pessoais”, contou Mili. “Ela é vítima e eu sou o feto que está em discussão, então, para gente que efetivamente passou por isso, foi muito difícil ver esse circo.”
Mili falou sobre a difícil jornada de lidar com seu passado. “A gente não supera, porque é a nossa história e vive dia após dia com isso. A gente acaba ressignificando isso, aprendendo a lidar, mas não supera”, compartilhou. Ela revelou que recebeu muitas mensagens de pessoas que passaram por situações semelhantes e que se sentiram motivadas a compartilhar suas histórias.
Nascida em Limeira, Mili e sua família mudaram-se frequentemente, o que dificultou a criação de laços de amizade na infância. “Era comum que no mesmo ano eu mudasse às vezes duas, três vezes de escola. Então, não tenho esses laços com amigos de infância”, disse ela. Foi apenas ao se estabelecer em Americana que Mili começou a criar vínculos mais duradouros.
Mili trabalha como mentora em comunicação há uma década, ajudando pessoas a melhorar sua autoestima e suas oportunidades de trabalho. Ela vê essa missão como uma forma de acolher os outros, algo que sempre desejou para si mesma. “Acredito que de uma forma inconsciente acabei entrando nesse ramo digital para eu falar mais com as pessoas.”
PL 1904
Sobre o Projeto de Lei 1904, Mili é clara em sua oposição. Ela argumenta que a lei precisa ser revisada para garantir mais segurança às vítimas e direitos às mulheres, especialmente as mais vulneráveis. “A lei tem isso no texto, mas ela é muito ampla. O PL, em vez de melhorar essas lacunas, piorou, porque normalmente quando uma criança começa a mostrar indícios de que está numa gestação, ela já está muito avançada”, explicou.
Mili defende que cabe à mulher decidir sobre a continuidade da gravidez, ressaltando que qualquer decisão terá impactos profundos e duradouros. “Nenhuma das decisões é fácil. As duas vão te acompanhar. Por isso, cabe à mulher decidir e seguir na vida dela.”
A história de Mili Anjos é um testemunho poderoso sobre as complexidades do debate sobre o aborto e a importância de ouvir as vozes diretamente afetadas por essas políticas. Sua coragem em compartilhar sua experiência pessoal trouxe uma nova dimensão ao diálogo, sensibilizando muitas pessoas para a realidade vivida por inúmeras mulheres no país.