Mirela Visnadi

Do Polo Sul ao Polo Norte: conheça Rafael, o americanense que estuda oceanos

Você já imaginou ficar isolado nos polos Norte ou Sul, em uma expedição científica rigorosa e precisa, enfrentando temperaturas extremas e tendo a comunicação com a família e o mundo externo dificultadas? Esse é o trabalho do americanense Rafael Gonçalves Araújo, que hoje mora na Dinamarca como pesquisador, enfrentando o gelo e todos os desafios da profissão em seu trabalho de monitoramento de oceanos.

“As expedições geralmente duram entre 3 e 7 semanas, de 1 a 2 meses. Nosso trabalho é todo no mar e depende também do gelo. Quando a gente chega nas regiões onde o mar está todo congelado e todo coberto de gelo, descemos no gelo para fazer coletas. Então, perfuramos o gelo e realizamos a coleta de água logo abaixo dele para efetuar outros tipos de estudo também”, contou Rafael ao JA

“As análises parcialmente são feitas no laboratório do navio quando é possível. Às vezes as análises demandam muito tempo, muito processamento, vários químicos e é perigoso para a gente ficar levando muitos reagentes no mar. Então nós preservamos as amostras como elas têm que ser preservadas (algumas devem ficar na geladeira, outras somente no escuro em temperatura ambiente), e então cada um traz as suas para o seu laboratório”.

E essas expedição são solitárias? Rafael garante que não: “Nessas pesquisas, quando a gente vai nas expedições, não estou sozinho. São vários grupos. Nesse último cruzeiro em que fui para o Polo Norte, nós éramos 27 pesquisadores e havia gente de umas 8 ou 9 instituições diferentes, então era bastante gente. Instituições de países diferentes, dos Estados Unidos, do Canadá, da Índia, um pessoal da Alemanha, então é bem internacional.”

Rafael também garante que, embora trabalhe em um navio norueguês muito equipado, bem moderno e com bastante conforto, a vida do pesquisador não está isenta de perrengues: “Ou o navio está sempre balançando por causa das ondas ou está tremendo todo porque está quebrando gelo. Então, é uma experiência diferente também, você deita na cama e sente coisas balançando no quarto e batendo para todo lado, coisa rangendo. É uma experiência legal.”

Ele ainda cita dois fatores que são bem diferentes da vida do dia a dia: o abastecimento de comida e o confinamento com outras pessoas: “Comida fresca, verdura, legumes, vai acabando com o tempo. Depois de sete semanas no mar, sem pisar em terra, não tem como abastecer. Então, a comida no final começa a ficar um pouco depreciativa. Para mim é tranquilo porque eu como de tudo, mas o pessoal que é vegetariano geralmente deve sofrer bastante”

“É um pouco como um Big Brother, porque nós ficamos confinados ali. Agora, no navio, éramos em 27 pesquisadores e mais o pessoal da tripulação. Nós éramos em 45 no total no navio, navio grande. Então, a gente fica confinado ali e a jornada de trabalho geralmente é no mínimo 12 horas, mas às vezes acabam levando a 16 horas, 18 horas. A gente fica trabalhando muito porque tem que trabalhar. Então, ou você está pegando amostras de água e os equipamentos, ou o navio para para fazer amostras para o mar, ou você está trabalhando no gelo, furando-o e passando frio. Agora mesmo, nesse último cruzeiro, eu fiquei cinco semanas isolado. Eu só conseguia me comunicar por e-mail de texto com a minha família e às vezes demorava um dia ainda para o e-mail ser enviado. Então, é um desapego da realidade, completamente diferente. A rotina é bem exaustiva”, comenta.

Apesar disso, o pesquisador argumenta que é tudo muito planejado justamente para evitar esses possíveis imprevistos: “As expedições geralmente começam a ser planejadas um ano antes. Há reuniões mensais. A gente tem que sair de lá um mês, dois meses antes de ir para o porto, já tem que estar com tudo pronto. Todo mundo tem que saber o que vai fazer, o que vai amostrar e onde vai coletar. Nós já temos as coordenadas, latitude, longitude, quais são as profundidades que vai coletar e onde que vai ser feito, quanto tempo que vai levar para fazer todas essas coletas, quanto tempo leva de trânsito até o próximo ponto de coleta. Nós temos que calcular tudo isso para que a expedição possa ocorrer sem muito problema porque já existe bastante problema. Geralmente sempre tem instrumento que para de funcionar do nada. A gente sempre testa tudo antes de ir, mas sempre dá esses pepinos.”

A trajetória

Rafael morou em Americana durante boa parte de sua vida, tendo se mudado para o Rio Grande do Sul na época da faculdade. Por volta dos 16 anos de idade, ingressou no Cotil (Colégio Técnico de Limeira), onde aprendeu sobre geomática, área que diz respeito ao sensoriamento e análises de satélite. Hoje, aos 36 anos e casado, o pesquisador comenta que essa formação técnica o marca até hoje na profissão. “Eu sou um pesquisador e uma das coisas que eu uso são imagens de satélites para monitorar os oceanos”, comentou.

Formado na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), local onde também fez mestrado em Oceanografia Biológica, ele começou a se especializar cada vez mais na área. Durante o seu mestrado, trabalhou com ecologia de microalgas na Antártica, período em que começou a visitar frequentemente o continente com o Programa Antártico Brasileiro. Com bolsa do governo para realizar o doutorado na Alemanha, Rafael mudou de direção no globo e começou a trabalhar no Ártico, se mudou para a Dinamarca e hoje é pesquisador no país europeu.

A sua experiência com o Ártico começou ali no doutorado, onde viajou duas vezes para o local: “Eu participei em 2013 em uma expedição na Sibéria. A gente viajou de avião até o norte da Sibéria, uma cidade de cerca de mil habitantes. De lá, a gente pegou um navio pequeno e trabalhou no mar ali no norte da Sibéria. Essa foi minha primeira experiência no Ártico. Depois, no ano seguinte, em 2014, eu fui para o Estreito do Fram, que fica entre a Groenlândia e Svalbard, bem no norte, a cerca de 68 graus norte. Essa região tem bastante monitoramento. Depois eu comecei a me especializar mais por ela. Basicamente é o trabalho que comecei a desenvolver aqui na Dinamarca”.

Rafael conta que já participou de quatro expedições desde que chegou à Dinamarca, todas elas no norte. “Duas vezes eu fui para o Estreito de Fram, uma vez eu fui para a Groenlândia e naveguei entre a Groenlândia e o Canadá e uma vez, que foi essa última agora, eu fui para o Pólo Norte”.

Ele também garante que não foi difícil se encontrar na profissão: “Na oceanografia tudo é novo porque a gente não conhece nada do mar, tudo é fascinante. Isso pra mim foi algo que eu sempre achei muito legal. Desde a minha primeira aula na faculdade eu já pensava ‘nossa! que mundo é esse que eu não conheço?’. Tudo é novo, tudo é diferente. Por que existem ondas? Por que a circulação é assim? Para que serve isso? Pra mim isso sempre foi uma motivação para a descoberta. A oceanografia é bem multidisciplinar, tudo interage. A biologia depende da química, que depende da física, então você sempre tem que estar com um pé aqui e o outro lá fazendo parcerias. É isso que eu acho legal da oceanografia, de fazer a ciência do jeito que ela é feita hoje em dia. Ela é mais colaborativa”, comenta.

Sobre a sua pesquisa, o oceanógrafo conta que trabalho com ciclo de carbono no mar: “Nós estamos tentando desenvolver um método, um tipo específico de carbono que é gerado no continente e entra no mar pelos rios e vai usando isso para traçar a massa da água, de onde está vindo a água. É como se você jogasse uma bola no rio e essa bola ficasse flutuando, e então ela eventualmente descesse para o rio até o mar, caísse no mar e continuasse flutuando. Eu tento repetir esse mesmo processo usando uma molécula adaptada por terra. O mais louco é que as moléculas têm um comportamento específico com relação a luz, quando a luz bate nela, ela absorve a luz de uma maneira que um satélite consegue identificar”.

E como foi ver o Polo Norte pela primeira vez? Rafael comenta que, quando chegou ao Polo Norte, já imaginava que veria basicamente gelo e mar congelado. “Mar congelado eu já vi bastante na minha vida, então eu já sabia o que ia ver. Mas o que eu fiquei surpreso é que, por mais que fosse verão (nós chegamos lá no dia 28 de julho), estava calor, com 1ºC, chovendo e nem havia tanto gelo assim. Era possível ver uns pedaços bem grandes de mar. Isso para mim foi surpreendente porque eu não esperava. Eu esperava chegar lá e só ter gelo, mas nada, o negócio foi lindo e tranquilo. Não tinha tanto gelo. Todo mundo ficou surpreso”.

Questões ambientais

Rafael comenta também que o trabalho de monitoramento do derretimento das calotas polares começa ali: “Essa região do Fram tem bastante troca e é muito importante para a regulação do clima no mundo e para a exportação de carbono. Existe um grande projeto da Noruega que vem monitorando essa região desde a década de 90”.

“Vai ter mais água doce saindo dos oceanos e essa região do Estreito do Fram é onde a maior parte da água de todo o Ártico é escoada para fora dele. Se você consegue monitorar como está variando a exportação de água doce através de lá, você consegue ter mais ou menos uma ideia da drenagem, o quanto está sendo drenado para dentro do Ártico. Todos os rios do Ártico escoam para dentro do Ártico, correm para o Ártico e essa água circula dentro do Ártico e sai para o Atlântico através do Estreito do Fram”, afirma.

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