A declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao justificar a escolha de Gleisi Hoffmann para o comando da Secretaria de Relações Institucionais poderia ter sido apenas uma brincadeira sem grandes repercussões.
No entanto, ao dizer que nomeou a ministra para melhorar a interlocução com o Congresso e, em seguida, emendar que escolheu “essa mulher bonita” para a função, o presidente tocou em um ponto sensível que não pode ser simplesmente relativizado.
O incômodo surge quando a aparência de uma mulher passa a ser mencionada como um fator na construção dessas relações. Ainda que dita em tom de descontração, a fala reforça uma lógica historicamente excludente para mulheres na política, onde sua presença ainda é constantemente questionada e, muitas vezes, reduzida a atributos físicos.
O ambiente político brasileiro não é neutro em relação às mulheres. Parlamentares enfrentam discriminação, são frequentemente interrompidas em debates, sofrem ataques misóginos e, não raro, lidam com situações de assédio moral e sexual.
Não por acaso, muitas delas relatam que precisam provar competência o tempo todo, bem mais do que seus colegas homens. Nesse contexto, colocar a beleza como um fator de aproximação com os demais políticos soa deslocado e inadequado.
Ainda que Lula não tenha tido a intenção de reduzir a ministra a sua aparência, o efeito de sua fala ressoa em um espaço predominantemente masculino e, muitas vezes, hostil às mulheres.
A ideia implícita de que uma mulher bonita ajudaria a estabelecer pontes entre o governo e o Congresso sugere, ainda que indiretamente, que sua presença pode ter um apelo especial entre os parlamentares. Em um ambiente político que já marginaliza as mulheres, essa percepção pode ter efeitos ruins.
Palavras importam, sobretudo quando ditas por alguém com a projeção e a influência de um chefe de Estado. A política precisa avançar para um espaço onde mulheres sejam reconhecidas pela sua capacidade e onde sua presença não precise ser justificada por atributos alheios ao exercício do cargo.